AMANHECER-GUI

AMANHECER-GUI
Há sempre um amanhecer...

quinta-feira, janeiro 17, 2013


   MEDO?...TERROR?....SOMENTE INSÓLITO!

 

Em África há um sortilégio que não apenas o das belezas tropicais que nos extasiam…e deixam embevecidos…estáticos… olhos presos… mente paralisada…
Há um sortilégio (?) permanente de ruídos estranhos e desconhecidos, de medos, de eriçamento de pêlos num arrepiar que paralisa…!

Quem vive no mato tem, por norma, nas janelas (que não têm portadas), redes mosquiteiras que protegem dos mosquitos (e outros insectos inumeráveis)…

 Praga que não tem fim e, que pode até ser bastante perigosa provocando umas febres graves: paludismo… e, mesmo em algumas regiões, ainda mais grave como a malária negra(que pode ser mortal).

 

…Dormíamos… a noite ia alta, nostálgico o choro da hiena que de vez em quando nos acordava, provocando estranhos pressentimentos e … algum medo que não queríamos às vezes interpretar…..

Mas naquela noite tudo foi diferente, não impossível em África, mas horrível em terror…

Acordámos com um forte e estranho ruído, permanente… continuado…

Era em tudo semelhante a um cortar das redes mosquiteiras mas cada vez mais impressionante e mais arrepiante.

Atentámos numa escuta longa na expectativa de detectar donde vinha e o que seria tal ruído/mistério e……porque não dizê-lo(?)…..ir adiando o medo…que a cada minuto mais sentíamos.

Que pensar? (se é que nessas situações conseguimos pensar). Assalto?

O que podia parecer mais provável mas que em África poderia ser tudo…

Não havia alternativa senão tirar as pistolas do armário, respirar (com medo) e…ir saber o que acontecia. A pele arrepiava-se-nos até ao limite, a curiosidade acicatava-nos e… havia que agir.

Armas em punho, às escuras, destrancámos a porta do quarto, hábito adquirido desde que vivíamos no “mato”, numa plantação de algodão.

Transidos até aos ossos pelo medo seguimos até ao fim do corredor, donde nos parecia vir o misterioso som.

De um lado ficava a porta da sala, do outro a da cozinha.
Com o maior cuidado e o menor ruído optámos por abrir a porta da sala(também trancada)…….nada!

…mas já apercebendo-nos que tal “horror” vinha da cozinha. Aguardámos expectantes na tentativa de algo que nos pudesse dar uma pista.

De repente apercebemo-nos da luz acesa na cozinha que se filtrava pela fechadura da porta, igualmente trancada…

Estranho! Não era hábito deixar acesas as luzes interiores mas sim as exteriores à vivenda.

De imediato começámos a aperceber-nos de um odor esquisito, até um pouco nauseabundo.

Era necessário agir e, com alguma relutância, repentinamente, deu-se a volta à chave…

Ainda mais paralisados… o insólito!

O cheiro e o zumbido eram incríveis! Ainda hoje me parece senti-los ao recordar…

 

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… Milhares e milhares de “formigas de asa”---como lhe chamávamos.

 

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Estas formigas, das muitas espécies que existem em Moçambique, são muito frequentes porque saem da terra quando chove e procuram a luz, num voo completamente louco.

Ora tinha chovido à noitinha e, ao aperceberem-se da luz na cozinha, infiltraram-se por baixo da porta.

A cozinha era uma cuba negra total e o cheiro atordoava.

Foi urgente fechar imediatamente a porta.

Ainda não refeitos do susto que nos tinha deixado mossa era necessário acalmar os ânimos e deixar funcionar os neurónios……..O facto de não

 ser tão pior do que se esperava(?)---não consegue acalmar de pronto os pensamentos horríveis que nos transtornam e paralisam…e, quem já passou por situações destas bem o compreenderá.

 

Tinha chovido à noite e as formigas, ao saírem da terra, e vislumbrarem a luz por baixo da porta, começaram a entrar em catadupa, milhares e milhares (sim…porque em África é tudo em quantidade e em extensão bastante diferente do que acontece aqui… )e, a cozinha transformou-se numa “cuba negra”, com um cheiro pestilento (de cadáver).

Foi urgente fechar de pronto a porta da cozinha…

Felizmente a despensa ficava no exterior, porta com porta com a cozinha e, era aí que se armazenavam os produtos, sendo que era imprescindível ter em quantidade e, até sempre à mão, os insecticidas.

Rodeando a casa entrou-se na despensa e, não me perguntem quantas embalagens de insecticida foram despejadas… umas por baixo das portas, outras através das redes mosquiteiras…. O que foi possível.

Então foi esperar “a morte das intrusas” algum tempo até se poder abrir a porta do quintal… sim porque era impensável, durante alguns dias , a ligação ao resto da casa.

 

Juro-vos, que ainda hoje, quando falo ou lembro este episódio, me parece sentir aquele cheiro…

 

Claro que, passado o pânico e o horror daquela visão, seguiu-se a hilaridade pelo insólito da situação… (principalmente pelas armas…).

 

Mas África faz-nos viver tantas situações insólitas, por bem e por mal, que contando preencheríamos várias páginas…

Talvez por todas estas vivências eu diga que foram os melhores anos da minha vida.

Porque os acontecimentos tinham um sabor especial, sem dúvida o medo mas a adrenalina de continuar.

E, para além destes medos, neste caso caricato mas noutros bem horripilantes, co-existia a grandiosidade de uma terra de maravilhas, de essências exóticas, de magia…com uma salutar convivência entre a Natureza e as Pessoas, não só com os africanos e os seus inúmeros dialectos como com a variedade de outros residentes de vários pontos do mundo.

 

Há uma mágica especial quando o sol se levanta bem como quando o horizonte se avermelha e ele começa, qual bola de fogo, a esconder-se num rasto de sangue, impondo-se a Noite---nostálgica, tenebrosa, mágica, langorosa.

É ÁFRICA!

 

 Autora: Guiomar Casas Novas

 

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